quinta-feira, 4 de julho de 2013

Cancão, por Ésio Rafael (poeta e pesquisador)



FOI ASSIM QUE DEUS FEZ CANCÃO

Façamos do homem a nossa imagem
De mão estendida pra face da terra
Na aurora da vida o ato se encerra
Assim disse Deus o Senhor da coragem
Na mão a poeira de fina linhagem
Com sangue e bile jogados no rio
Um mote perfeito pra um desafio
Um sonho profundo de imaginação
Assim foi criado o gênio Cancão
A chama da serra coberta de cio.

O poeta João Batista de Siqueira não antecedeu aos primeiros períodos das estiagens e nem da seca periódica, porque esses fenômenos distam, desde os tempos imemoriais, quando o assunto é o sertão do Pajeú. Ao nascer no ano de 1912, ele já teria pegado o bonde andando. Cancão, como de resto, os habitantes que o antecederam no município de São José do Egito, foi criado em duplo convívio entre a seca periódica e as estações invernosas da região, submetidos às condições climáticas da geografia cultural dos sertanejos sob custódia da Serra do Teixeira, considerada – A mãe do Pajeú.


Diz-se que, Pajéy, vocábulo indígena, quer dizer: o rio feiticeiro, batizado pelo povo da região com predominância indígena da nação cariri, proprietária da terra e consequentemente, do rio. O pequeno pedaço de terra localizada na extremidade ao norte do Estado de Pernambuco, adentrando ao Estado da Paraíba, para cumprir a missão de dividir as águas dos dois territórios. Não se dava conta de que num futuro próximo estaria dando abrigo a uma constelação de poetas que daria nome ao pequeno município de São José do Egito.


O caminho das águas originárias da serra, a partir de uma considerável distância, clareava o ambiente através de uma neblina de tonalidade azul, parecendo emitir a primeira fumaça de textura poética, inspiradora das possíveis moradas dos futuros deuses da poesia. Pois, aquele minúsculo pedaço de terra do sertão dos alastrados, das macambiras, das coroas de frade, da vegetação rasteira, do chão de cor cinza, juntos, esperavam a passagem das águas barrentas para que naturalmente fossem se misturando as tintas da natureza.


No inverno, os riachos se embalavam serra abaixo ensaiando a sinfonia das águas que passavam por entre as baraúnas, as carnaubeiras e no declive da serrania, onde os moradores dos sítios: Balanço, Tombados, e Balança (nomes postos por eles) contemplavam o líquido sagrado, ofertado pela “natureza selvagem”, que embelezam e dão vidas aos “campos vagos”, e as “faces lisas do lago”. Daí, os primeiros personagens da escola Cancaniana, retirados da academia campal, da faculdade do mato verde.


Assim como o escritor Máximo Górk escreveu: - As minhas Universidades, hoje, um clássico da literatura Russa, texto retirado da vida, do dia-a-dia, dos porões do navio em que ele viajava e os lavava para sobreviver, eis aí, o nosso gênio Cancão saindo da alcova para o mundo.
Foi exatamente dentro desse, às vezes terrível quadro, e por vezes exuberante, que Cancão cursou as suas universidades. Ele, uma criança incomum que nasceu no Sítio Queimadas, menor ainda pedaço de terra do município de São José do Egito. Com seus traços indígenas, no olhar, na face, nos olhos, no cabelo. E ainda por cima, a expressão de uma alma angustiada, chorosa, mas distinta permanentemente.


O poeta Cancão ao escrever - Sonho de um Sabiá, deixou para a humanidade a dupla função de um homem pássaro, pronta para estudo psicanalítico assim como fizera Freud, com – Édipo ou com Lilith a mulher bíblica de Adão dentre tantos outros personagens das lendas universais, ou da própria vida que é uma fantasia.


Amar, sofrer, criar. Eis as companhias eternas do – Pássaro Poeta, que em exercício de voo, cruzou fronteiras e foi se albergar na mitologia grega, para saudar uma dívida feita por ele mesmo, alinhada a sua fonte de inspiração:

És das regiões polares
A mais delicada planta
Vives igual uma santa
Entre as toalhas lunares
Os gênios dos longos mares
Dão-te atração soberana
És a mais gentil liana
Em forma de criatura
Nasceste da ninfa pura
Da maresia indiana.

Cancão, um fenômeno poético minado do solo do Pajeú pernambucano, lugar onde o sol treme e não se desculpa por sua inclemência.



Na terra é difícil um ninho
Mas no céu tem de Cancão.

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