domingo, 13 de maio de 2012

Um texto de Ésio Rafael...


Em fim, os 100 anos de Cancão!



Pernambuco está vivendo em 2012 o centenário de alguns de seus filhos Ilustres.  Uns menos, outros mais cortejados, ao passo que outros nem mesmo são lembrados.  Por exemplo, Luiz Gonzaga e Nelson  Rodrigues, um já está rolando, no caso do Luiz, outro a imprensa já começa a pressionar para que haja alguma atitude das autoridades constituídas, no momento em que já saiu até entrevista com Nelson Rodrígues carreada por Geneton Moraes, hoje, correspondente da “Globo” em Londres. Justo! Nada mais justo. Afinal, Luiz por motivos óbvios merece todas e mais homenagens não só através do governo, mas do povo em geral. Nelson saiu daqui muito pequeno, o povo não o conhece, mas foi ele um Ilustre pernambucano que mudou a história (dentre outras funções) do teatro brasileiro.

Claro que existem outros centenários dignos de comemorações. Apenas são desconhecidos. Mas, ninguém vai ficar catando “centenaristas” por aí. Devem existir outros pernambucanos ilustres que lá do túmulo estão aniversariando também, mas nunca fizeram questão em vida, quanto mais em outra esfera. Há também aqueles proscritos que foram Ilustres tanto quanto os mais badalados.
Mas nós estamos aqui para falarmos dos Cem Anos de um fenômeno poético, bastante conhecido nas regiões do Cariri paraibano e principalmente do Pajeú pernambucano, trata-se do poeta João Batista de Siqueira, conhecido por Cancão, nascido no Sítio Queimadas, município de São José do Egito-PE, em 12 de maio de 1912. Apelidado de Cancão por ter sido um menino irrequieto e buliçoso, tal qual o pássaro, comum no nosso Estado. O maior contraste do Cancão já homem feito: contido, angustiado, sofrível e por demais  generoso.

Cancão – o Pássaro Poeta foi criado por ali mesmo nas atividades do  campo em contado direto com os pássaros e a natureza, personagens mais  fortes dos seus futuros  poemas. Vejamos o que disse Francisco Coutinho Filho, escritor, pesquisador, funcionário público federal, autor do livro, hoje um clássico – Violas e Repentes, publicado em Recife em 1953: ”Cancão é um agricultor pobre, de mãos calosas. Acentuadamente introspectivo, vive preso à tristeza e conformado no árduo trabalho da roça e no doce cultivo da poesia”.

Começou sua vida poética tocando viola e cantando de improviso até que em 1950 largou a profissão trocando a viola por um bico de pena, depois de perceber “que não dava pro serviço”. Com essa decisão ganhou a poesia, ganhou a região e todos nós. “Se acaso existisse um Deus da poesia, nas regiões do Pajeú e Cariri, seu nome com certeza, seria Cancão”.

Cancão é referência na boca e no sentimento poético das velhas e novas gerações, como destaque poderíamos registrar dois exemplos  recentes: O músico Tonino Arcoverde gravou um CD exclusivo com poemas de Cancão; e o poeta Lirinha vocalista da ex-banda Cordel do Fogo Encantado, gravou o poema “Tempestade”, além de recitar este e outros poemas de Cancão em seus shows. Em Natal-RN, o poeta egipciense,  Gilmar Leite, em ensaio escrito em 2009, diz: “Sempre encontrei em prefácios de livros de poesia, mais conceitos literários do que o sentido fenomenológico do mundo vivido pelos poetas. Esses conceitos cristalizados geralmente determinam a concepção do belo ao induzir os leitores a uma opinião já formada, desviando a sua capacidade de mergulharem com as suas próprias percepções”. Mais adiante do texto, o poeta Gilmar encerra o seu ensaio poeticamente: “Cancão, pureza da alma, exemplo de humildade, encantador que usou a poesia para elevar nosso espírito, pincel vernáculo dos poemas campesinos, voz singela dos humildes, plantador de sonhos e fantasias. Obrigado por nos proporcionar um mundo belo, cheio de auroras e esperanças, nesses tempos de tantos  ocasos  e  incertezas. Acredito que o poeta do “Pajeú das  Flores”  deve  estar nesse instante no paraíso celestial da  poesia, declamando poemas, acendendo estrelas e jogando orvalhos nas madrugadas celestiais”. 

Como poderia um homem simples mortal como Cancão que não chegou a concluir o curso primário nas bancas das difíceis escolas da época, numa cidade que embora historicamente “propícia às musas”, distante do poder, das decisões, das academias literárias, do foco da mídia. Ele, um misto de suposto submisso junto aos seus pares, caminhantes das feiras livres, em direção à bodega onde a literatura de cordel representava o avanço literário e tecnológico dos mais assíduos leitores, num vai-e-vem das cidades esquecidas pelos homens de BENS, ser considerado – O Deus da poesia? Apesar de todas as especulações ainda não foi bem explicado o fenômeno – Cancão. Um poeta incomum de linguagem sofisticada e incompatível com o dialeto em que fora criado,  adiantando-se que ele teria lido apenas, apenas? Fagundes Varela, Cassimiro de Abreu e Castro Alves. Todavia, isso não autoriza certos escritores e pesquisadores afirmarem categoricamente que Cancão psicografava os seus escritos, numa tentativa talvez inconsciente de não se conformarem com a capacidade intelectual do mestre, subtraindo-lhe a essência inata metafórica de sua poesia.

No livro: PALAVRAS AO PLENILÚNIO, do poeta Lindoaldo Campos, onde reúne a obra pulicada de Cancão e mais alguns textos, o poeta adverte: “Desde logo, ressalte-se, todavia, que a evidenciação de tais aspectos não tem por propósito filiar o Vate Egipciense a qualquer escola literária, mas, apenas e tão somente, delinear o seu estilo através de uma fórmula concisa, em que sejam ressaltados seus aspectos mais relevantes. Neste sentido, poder-se-ia ousar dizer que ela se ajustaria a uma espécie de impressionismo, tendo em mira que é sedimentada, toda ela, na pormenorização plástica dos elementos naturais, em que ressai a vivacidade de cores fortes e nítidas, que glorificam a variedade e a exuberância de minudências da natureza. Depois o poeta cita: Raul Brandão “na tentativa de retratar seus sítios ignorados, termina por confessar:
“o que eu queria dar só o podem fazer os pintores – os tons molhados, os reflexos verdes, o galopar das nuvens fugindo sobre a imensa superfície polida, e, por fim, ao cair da tarde, a agonia dolorosa da luz.”

Ora (continua), não é precisamente isto que Cancão logra fazer?  Então vejamos:

A água branda descia
Pelo pequeno gramado
A relva, fresca e macia,
Era um tapete rendado
Se ouvia lá da colina,
Soluçar uma cascata
E o sol com seus lampejos,
Dava os derradeiros beijos
No rosto verde da mata
(Depois da Chuva)

Em meados dos anos setenta, aconteceu um fato digno de registro. Estávamos em visita à “Velha Grécia”. Corria um sábado dia de feira. Dez horas da manhã, o sol já trêmulo. Fomos à casa de Cancão localizada no quadro da feira, para uma visita evidentemente poética e de prazer: Eu, Celis e Marcos Nigro (todos de Sertânia). Lá o encontramos nu da cintura pra cima, de mãos espalmadas tateando na parede do corredor da casa, em direção à cozinha. Embriagado 10h da matina? Imaginamos silenciosamente.  A mãe dele havia morrido há 15 dias. Era esse o motivo do desespero. Cancão chorava feito criança e dizia inconformado: – Eu quero mamãe!

Sua esposa, dona Amélia nos recebeu com o mesmo calor do sertanejo  comum.  Foi até o quarto do casal e nos trouxe uma caixa de sapatos repleta pelas bordas de poemas escritos pelo mestre em variados tipos de papéis. Inesquecível!

Esse é o perfil do homem que “viajou” em 1982, julho, precisamente.  Cancão deixou três livros: Musa Sertaneja (1967) com o prefácio do sertaniense, Wlisses Lins de Albuquerque; Flores do Pajeú (1969); Meu Lugarejo (1979). Acreditamos que publicado pela UFRPE, quando o poeta Joselito Nunes era diretor da gráfica daquela Instituição.

Em 2007, o escritor, Lindoaldo Campos prestou esse impagável serviço à população leitora de poesia e pertencente à irmandade, Cancão, ao compilar os poemas do mestre malassombrado, em um só livro: “PALAVRAS AO PLENILÚNIO” para o deleite de todos nós. Livro este, patrocinado pelo governo da Paraíba – UFPB (edição esgotada).
O projeto 100 ANOS DO PÁSSARO POETA, idealizado pelo poeta egipciense Marcos Passos, coordenado por ele, Ésio Rafael e Lindoaldo Campos, encontra-se  na: Secretaria de Cultura do Governo do Estado.  É um projeto de pequeno porte, onde consta uma estátua do mestre, a ser erguida em São José do Egito-PE, oficinas literárias, rodas de glosa, debates e o lançamento da segunda edição do livro “PALAVRAS AO PLENILÚNIO”, também encaminhado à CEPE. É a oportunidade do Governo do Estado fazer com o poeta Cancão o que o Governo do Ceará fez com Patativa do Assaré, que hoje é reputado como o maior poeta popular da América Latina.

Convocamos algumas pessoas que possam nos ajudar, pois, não é mole, concorrer com aniversariantes mais visíveis. Cancão está longe, são mais de quatrocentos quilômetros de distância daqui para São José do Egito: “A Velha Grécia”, no dizer de Wlisses Lins no seu discurso de posse na Academia Pernambucana de Letras. Estamos longe da claridade e do foco da pilha, dos que têm a chave do poder. O Projeto: Pernambuco Nação Cultural nos têm dado apoio logístico, no sentido de divulgarmos os Cem Anos de Cancão na confecção do selo: Cem Anos do Pássaro Poeta, momento em que fomos à Nazaré da Mata para traçarmos um perfil biográfico do poeta, divulgando o seu nome na Mata Norte pernambucana. No próximo dia 16, vamos à Petrolina, na região do São Francisco para fazermos a mesma coisa, desta feita, numa cidade sertaneja, onde já se conhece Cancão, inclusive professores universitários residentes naquela cidade sertaneja que cultivam o gosto pela poesia do mestre. Tudo isso com o apoio do escritor: Wellington de Melo,  Coordenador de Cultura da Secretaria de Cultura do Estado, que  conhece  e reconhece Cancão. 

E… SALVE CANCÃO!

Um comentário:

severino gomes souto disse...

Porra, Jorge, por quê, tanto tempo para atualizar uma página?

severino souto, serra talhada.