domingo, 14 de março de 2010

Deu no jornal! Com muito mérito!!!

Em nome da tradição do coco
Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife, já foi reduto da brincadeira, que hoje retorna a passos lentos
Carolina Santos
carolinasantos.pe@dabr.com.br


Camaragibe é um dos patinhos feios da Região Metropolitana. Transformou-se em cidade por conta dos latifúndios e da primeira vila operária da América Latina, da Companhia Industrial Pernambucana. Atualmente, a parte mais bonita do centro é uma enorme praça de grama verde na entrada da cidade. São poucas árvores para sombra e, talvez por isso, a praça fica quase sempre vazia durante o dia. No centro, a poluição visual reina absoluta. Por todos os lados há placas, banners, cartazes, outdoors.


Adiel Luna e Coco Camará investem em pesquisa para resgatar herança de antigos mestres Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press
Nas ruas, carros brigam por espaço com ônibus e kombis de passageiros. Nessa cidade pobre e quase caótica, houve uma forte movimentação cultural ligada ao coco - hoje quase esquecida. Uma tradição que remota ao século 19, quando ex-escravos se reuniam para a brincadeira nas terras do Engenho Camaragibe. Nos anos 60 e 70, o coco viveu seu auge no município. Mestre Quinca, Rui Cotó, mestre Fome, Eugênio do Arraiá são alguns dos nomes ainda lembrados que comandavam as festas naquela época. Nas últimas décadas, o coco parecia ter sumido da paisagem da cidade. Mas um mestre em formação está surgindo. Com apenas 25 anos, Adiel Luna canta como os coquistas do passado, e, ao lado do grupo Coco Camará - formado por seis integrantes - tenta regatar os pedaços da tradição do coco em Camaragibe. Atualmente é o único grupo de coco em atividade no município.

O Coco Camará começou timidamente em 2002. A formação atual, que é de palco, começou no final de 2008. Já viajaram para apresentações na Alemanha e participaram do Rec-Beat deste ano. O Camará trabalha com coco de senzala, de improviso, refrão. O que diferencia um do outro é a batida do pandeiro, explica Adiel. A receptividade ao grupo em Camaragibe tem sido boa. "Quando começamos o coco estava quase morto na cidade. Mas fomos muito bem recebidos porque o traço do coco já estava no povo", acredita Adiel. "Quanto mais vamos buscando, mais vamos nos surpreendendo com a quantidade de histórias sobre a música e as festas do passado", diz.

Parase tocar coco não é necessário muitos recursos. No Camará, por exemplo, são poucos instrumentos: matracas (geralmente tocadas pelas meninas do coro), pandeiros, bombinho (uma espécie de alfaia reduzida) e ganzá. "Os cocos geralmente têm refrão e estrofe pequena, o da gente tem o refrão, a obrigação (a parte mais acelerada) e o resto é improviso, cada oportunidade é uma chance diferente. Não só na dança, mas também na música o povo é protagonista da brincadeira", explica Adiel.

Há quatro anos, junto com o Laboratório de Intervenção Artística (Laia), os integrantes do Coco Camará passaram a promover a Sambada da Laia na Vila da Fábrica, sempre no segundo sábado de cada mês. Uma festa da cultura popular, mas também um local de reencontro. "A ideia é que as pessoas mais velhas possam ter um lugar para novamente ouvir coco - e as gerações mais novas redescobrirem a tradição da cidade", conta Marcone Alves, integrante do Camará e coordenador geral do ponto de cultura Tecer (Teia de cultura e educação de raiz). "Nosso objetivo é resgatar e reconhecer as pessoas que ainda estão vivas. Para que o povo possa conhecê-los. Camaragibe é uma cidade com uma história de cultura popular muito rica, mas inconstante. Além do coco, é uma cidade também de caboclinhos, forró pé-de-serra. Como houve uma sucessão de gestões, isso nunca foi valorizado", critica Adiel.

Vencedores do último festival Pré-Amp, Adiel Luna e Coco Camará se preparam para gravar o primeiro CD, com produção musical de Miltinho, do Pandeiro do Mestre, e participação especial do mestre Galo Preto. O lançamento deve acontecer ainda neste ano.

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