segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Do livro "As curvas do meu caminho"

Neste dia 13 de outubro, o poeta Manoel Filomeno de Menezes [13.10.1930] estaria completando 78 anos. Manoel Filó, como ficou conhecido onde passou, faleceu em 2005, no dia 21 de agosto, e sempre será lembrado por sua personalidade única de poeta fidalgo. Do seu livro “As curvas do meu caminho” publico o texto do poeta Zelito Nunes, amigo e admirador do véi meu pai.



É MELHOR A GENTE NÃO BULIR NISSO NÃO.

“Vivemos num mundo cheio de miséria e ignorância. O dever de cada um de nós é tentar tornar o pequeno canto em que vive em algo um pouco menos miserável e menos atrasado do que antes da sua chegada”.

Aldous Huxley


Em 78, eu e mais dois irmãos meus, tínhamos uma graficazinha na Conde da Boa Vista. Era pequena e não tinha nem guilhotina, mas era uma gráfica e em torno dela, ou dentro dela, um sonho meu: publicar os poetas e cantadores da minha terra.
Procurei Manoel Filó, mostrei o meu interesse. Ele se esquivou: “Depois a gente vê isso”. O tempo passou, e em 83 eu, já na Imprensa Universitária da UFRPE, voltei a procurá-lo e ouvi nova desculpa. passei a olhá-lo atravessado e ele meio desconfiado pro meu lado como se me devesse alguma coisa. Hoje, vinte anos depois, eu um pouco mais maduro, entendi que estava apressando o rio.
Bendita e louvada seja a vontade do poeta Manoel que veio pedir-me um texto.
“Para um livrinho que estamos fazendo” confidenciou-me.
Hoje, aos 30 de setembro de 2003, me acordo cedo na fazenda Boa Vista e saio andando em direção a Prata, de pés, como sempre faço quando estou lá.
A fazenda Boa Vista foi o lugar onde nasceram o meu pai, em 1901, e o poeta Zé de Cazuza, em 1929.
Gosto de olhar aquelas serras azuis ao longe e perceber a curiosidade do povo que passa por mim vendo a minha solidão, como se perguntasse: “Pra onde vai este doido?”, e eu, respondo pra mim mesmo: “Vou dar vazão à minha veia de doidinho de estrada”, coisa que gostaria de ter sido se não fosse hoje apenas um doido comum.
E aí, me lembro de Manoel Filó.
- Vocês sabem o que os doidos de estrada botam dentro daqueles sacos enormes que conduzem nas costas?
Ninguém sabe; só Manoel Filó sabe, pois eles estão na sua poesia.
Depois, ainda na minha caminhada solitária, dou de cara com um anum preto sentado num galho de jurema. Olho pra ele, penso na sua feiúra – um preto velho com cara de preguiçoso e um bico grande que parece pesar mais do que seu corpo todo. Ele também me olha, e nada me diz.
Vou em frente e lá na frente, por curiosidade, me volto para o lugar onde o deixei, ele já não está mais lá, agora vem voando em direção a mim, com seu vôo desengonçado. Só aí é que percebo o grande lance: “Mas ele voa, cara!”.
Sobrevoando a minha triste figura ele me olha pela ultima vez, como se dissesse: “Não faço cocô na tua cabeça porque não quero!”, e vai-se embora...
E o que é que isso tem a ver com Manoel Filó? Pra mim tem tudo. Manoel sabe do bico, da cor e da feiúra do anum. Sabe que ele tem um canto bonito e faz trancinhas na crina dos animais enquanto procura insetos.
Manoel sabe da chuva, do sol, da madrugada e da noite. Para ele, “às vezes, ela é até uma dama triste, vestida de preto”.
Manoel sabe da “pólvora” das formigas.
Manoel sabe tudo.
Eu, depois de publicar um livrinho safado, procuro agora uma palavra bonita para dirigi-la a Manoel Filó. Tenho dificuldade, e descubro o porquê: eu gastei todas que sabia no livrinho que fiz.
Mas, remexendo na memória, consigo lá no fundo uma que parece bem diferente: Holos, holismo (acho que vem do grego). Manoel Filó é também holista. Eu tenho certeza que sim.
Volto, de novo, para outra palavra que me lembro de Chico Pedrosa quando ele fala no velho que achou bonita a palavra “inadimplente”, e passou a usá-la começando no gabinete do gerente do banco que precisou de um empréstimo:
- O senhor fique sabendo que está falando com um véio inadimprente!
Manoel Filó é também “inadimprente”.
Sabem por que?
É que todo o conteúdo do que ele é e faz, certamente não caberá dentro de um livro só não.
Ai eu acho que ele vai continuar sempre nos devendo, vai se tornar “inadimprente” com a gente.
Mas isso é outra história e É MELHOR A GENTE NÃO BULIR NISSO NÃO.

Zelito Nunes, Setembro de 2003.

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